terça-feira, 19 de março de 2024

O PAPEL DA LIDERANÇA NO CHAMADO SOCIAL DA IGREJA - O Resgate da Fé Genuína - Parte 1





 INTRODUÇÃO

As implicações sociais do evangelho têm estado evidentes em todas as eras da vida da igreja. A igreja primitiva, por exemplo, expressava um testemunho social mediante a fidelidade aos apelos da comunidade cristã (At 2.42-46). Porém, a partir do fim do século XIX, até depois da primeira metade do século XX, as implicações sociais do evangelho foram negligenciadas, às vezes abandonadas, e mais frequentemente declaradas de importância secundária por aqueles que se chamavam conservadores ou fundamentalistas. Tendo em vista o evangelho social ter sido identificado com o liberalismo teológico, desenvolveu-se uma lógica popular, segundo a qual os conservadores tendiam a rejeitar a ação social como parte da sua rejeição do liberalismo. Para todos os fins, nem todos que exerciam o evangelho social eram liberais, e nem todos os liberais eram praticantes de um evangelho social.
 
Grupos que até então tinham apoiado a reforma social recuaram para uma posição em que a preocupação básica depois da conversão era a pureza dos indivíduos mais do que a justiça na sociedade.
 
“A doutrina do reino de Deus foi deixada subdesenvolvida pela teologia individualista, de modo que o ensino original de nosso Senhor tornou-se um elemento incongruente na chamada teologia evangélica".
Walter Rauschenbusch
 
Nas últimas duas décadas houve um renascimento da preocupação social. Uma nova perspectiva de interpretação e abordagem social foi proposta pela teologia da libertação. Exige-se a reflexão teológica que começa, não na sala de aulas, mas no meio da pobreza e da injustiça que definem a situação humana para muitos povos do mundo hoje. Exige-se uma teologia da "práxis".
A discussão contínua em torno da natureza e extensão do ministério social que gira em torno de opções como:
1.        Amor e/ou justiça.
2.        Ação individual e/ou coletiva / social;
Seja qual for a escolha, o desafio é traduzir o amor e a justiça em estratégias relevantes, de modo que a proclamação se torne demonstração do Poder de Deus. Mas quanto à prioridade, ainda permanece a pergunta: As implicações sociais são iguais, secundárias ou anteriores às implicações individuais do evangelho? Mas agora pergunto: será que não seriam complementares e simultâneas?
 
Vamos trabalhar com um texto muito conhecido de todos, a parábola do Bom Samaritano. Nesta parábola encontraremos alguns princípios reflexivos e de aplicação prática para o nosso ministério.
Segue abaixo exemplos negativos e positivos de Lideranças, apresentados pelo doutor da Lei e por Jesus na parábola do Bom Samaritano. Vejamos:
 
 “E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês? E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento e ao teu próximo como a ti mesmo”
(Lc 10:25-27ARC)
 
1. Exemplos Negativos de um Líder
 
a)      O primeiro exemplo negativo de liderança é a fala de um Líder que ensina aquilo que nunca aprendeu.
“E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna?”
 Lc 10:25
 
“... certo doutor da lei...” esta expressão por si só nos mostra a autoridade e responsabilidade que este homem possuía. O grego nomikon refere-se a um legislador e não somente interprete como é sugerido por algumas traduções. Assim podemos chegar a conclusão que aquele homem tinha em suas mãos a autoridade para fazer cumprir a lei, no caso, a lei de Moisés; porém surpreende quando pergunta para Jesus: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” A fala só é justificada quando entendemos que o mesmo estava tentando a Jesus.
O engano do doutor da Lei era maior do que ele mesmo poderia imaginar. Achando que era conhecedor do caminho, pensava que estava engodando o Mestre ou colocando-o em uma situação constrangedora; porém enganava-se a si mesmo. Pensava que conhecia; porém ensinava na verdade, aquilo que nunca havia aprendido de fato, pois a aprendizagem não é verificada pela reprodução de conceitos, mas pela evidência prática estabelecida no nosso cotidiano de tal forma que torna-se parte integrante de si.
 
Este estado do doutor da Lei nos leva a reflexão e avaliação de nossa liderança, pois somos conhecidos dos púlpitos; os jargões, os chavões e o evangeliquez fazem parte de nosso “vasto” vocabulário e somando com as nossas "franjas e filactérios", formam um estereótipo aprovado por todos, ou pelo menos, pelas massas evangélicas. Como se vê, não é tão difícil assim fazer o papel do bom líder. Alguns estão tão bem acostumados que à semelhança do doutor da Lei, num ato quase esquizofrênico, acabam acreditando em sua própria atuação. Este líder não apenas torna-se infrutífero, mas também leva muitos ao erro da não frutificação, já que, como liderança, torna-se paradigma para seus liderados.
 
b)      O segundo exemplo negativo de liderança é o líder cheio de ortodoxia, porém vazio de ortopraxia.
“E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento e ao teu próximo como a ti mesmo. E disse-lhe Jesus: Respondeste bem; faze isso e viverás.”
Lc 10:27,28
Após a indagação do famigerado doutor da Lei, Jesus responde-lhe com outra pergunta: “Que está escrito na lei? Como lês?” Então o fariseu começa a citar uma combinação de Dt 6:5 com Lv 19:18. Mostrando seu conhecimento bíblico e exegético, o mesmo consegue resumir toda lei e os profetas em uma sentença; porém, apenas palavras não bastam. Jesus é categórico: “faze isso e viverás.”

Mas será que ele não sabia???
Parece que não!

Sei que não é preciso, mas gostaria de reforçar, informando a você caro amigo, que ele não é o único caso em que a presumida familiaridade tem levado ao desconhecimento, o desconhecimento ao desdém e o desdém a uma profunda ignorância.
Robert Coles, professor em Harvard de psiquiatria e famoso pesquisador de questões sociais e morais, publicou um artigo chamado “A disparidade entre o intelecto e o caráter”. O artigo é sobre o grande desafio da tarefa de ligar intelecto a caráter.
 “O ensaio foi provocado por uma discussão com uma de suas alunas sobre a insensibilidade moral de outros alunos, alguns dos melhores e mais brilhantes de Harvard. Essa aluna era uma moça ‘de classe baixa, vinda do Meio-oeste dos EUA’, onde, como bem se sabe, ainda têm força coisas como ‘respostas corretas’ e ‘ideologia’. Ela limpava os quartos de outros alunos para ajudar a pagar a universidade”.
Relatou a aluna a Coles que repetidamente os seus colegas de turma a tratavam com rispidez por causa da sua baixa posição econômica, sem cortesia nem respeito; muitas vezes eram rudes com ela e às vezes até grosseiros. Um jovem aluno seguidas vezes a convidou para fazer sexo com ele enquanto a moça limpava o seu quarto. Era um rapaz com quem ela fizera dois cursos de ‘argumentação moral’, nos quais ele se saiu muito bem e recebeu as maiores notas.
    Esse tipo de tratamento a fez abandonar o emprego e deixar a faculdade — razão pela qual ela teve uma espécie de entrevista de saída com Coles. Depois de discorrer não só sobre a conduta dos seus colegas, mas também sobre a longa lista de pessoas altamente instruídas que perpetraram as atrocidades pelas quais o século XX é famoso, ela concluiu assim: ‘Eu venho fazendo todos esses cursos de filosofia nos quais conversamos sobre o que é verdadeiro, o que é importante, o que é bom. Ora, como se ensina às pessoas a serem boas?’ E acrescentou: ‘Para que saber o que é bom se você não tenta se tornar uma boa pessoa?’”
    Para o Dr. Robert Coles o desafio de ligar o intelecto ao caráter é descrito como uma tarefa “intimidadora”. Como poderíamos então denominar o nosso desafio, de unir a e as obras, o nosso discurso e as nossas práticas?
    Nosso já familiarizado, doutor da Lei, não sabia que não basta decorar alguns versículos ou saber alguns conceitos bíblicos ou  teológicos, mas que é necessário "encarnar" a verdade bíblica.
    Caro líder não basta termos um discurso correto (ortodoxia), mas é de todo necessário o esforço para viver uma vida correta
         (ortopraxia), com práticas fundamentadas nas Sagradas Escrituras.
E saiba que de nada adiantará se não chegarmos à conclusão de que a Fé deve ir muito além do que meras palavras. Nada adiantará se  não chegarmos à conclusão de que o Reino de Deus vai muito além das quatro paredes da nossa congregação. Nada adiantará se não chegarmos à conclusão de que a vontade de Deus para nossas vidas é que anunciemos o evangelho, amando a Deus de todo o nosso coração, e de toda a nossa alma, e de todas as nossas forças, e de todo o nosso entendimento, e ao nosso próximo como a nós mesmos (Lc 10:27). Não apenas com palavras, mas com a sua própria vida (com atitudes). Não apenas nos discursos, nos púlpitos ilustres com suas plataformas acarpetadas, mas nas ruas, nas favelas, nos terminais de ônibus, nos hospitais, nos presídios, nos postos de saúde, na Febem, nos orfanatos, nos asilos, na cracolândia, na boca do lixo e etc.
 
c)      O terceiro exemplo negativo de liderança é aquela que não conhece ou reconhece o seu “próximo”
“Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu próximo?”
Lc 10:29
A palavra “próximo” pode significar: o que está perto; vizinho, cada pessoa em particular ou o conjunto de todos os homens. Porém, o “esclarecido” doutor da Lei não havia se atinado, ou ao que parece, torna a pespegar Jesus. Mas será que o doutor da Lei conhecia realmente o seu próximo? Vejamos por um dos exemplos de seus colegas:
“E ensinava no sábado, numa das sinagogas. E eis que estava ali uma mulher que tinha um espírito de enfermidade havia já dezoito anos; e andava curvada e não podia de modo algum endireitar-se. E, vendo-a Jesus, chamou-a a si, e disse-lhe: Mulher, estás livre da tua enfermidade. E impôs as mãos sobre ela, e logo se endireitou e glorificava a Deus. E, tomando a palavra o príncipe da sinagoga, indignado porque Jesus curava no sábado, disse à multidão: Seis dias há em que é mister trabalhar; nestes, pois, vinde para serdes curados e não no dia de sábado. Respondeu-lhe, porém, o Senhor e disse: Hipócrita, no sábado não desprende da manjedoura cada um de vós o seu boi ou jumento e não o leva a beber água? E não convinha soltar desta prisão, no dia de sábado, esta filha de Abraão, a qual dezoito anos Satanás mantinha presa? E, dizendo ele isso, todos os seus adversários ficaram envergonhados, e todo o povo se alegrava por todas as coisas gloriosas que eram feitas por ele.”
Lc 13:10-17
  Você conseguiu entender? O problema de reconhecer o “próximo” não era uma questão isolada, mas, de toda a classe religiosa. O sistema religioso era mais importante do que a razão pela qual fora criada. Uma inversão de valores terrível confundia e cegava os olhos daqueles que se diziam guias para os cegos não permitindo que eles enxergassem a importância do seu próximo, ou ainda pior, não permitia que eles enxergassem quem era o seu próximo.
Quando perdemos a dimensão do outro, perdemos a dimensão de si.
Queridos irmãos, acredito na necessidade de regras, normas e leis. Acredito em sistemas e organizações, porém uma condição imprescindível é que todas estas cumpram o seu propósito de glorificar a Deus e edificar os homens. Porém, infelizmente, a inversão destes valores tem obscurecido a visão de muitos.

 

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer essas coisas e não omitir aquelas.
Mt 23:23

 

Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não sacrifício. Porque eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento.
Mt 9:13

 

d)     O quarto exemplo negativo de liderança é aquela que se importa muito mais com o rito cerimonial do que com a verdade da palavra de Deus.
"E, ocasionalmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E, de igual modo, também um levita, chegando àquele lugar e vendo-o, passou de largo".
Lc 10:31, 32
 
Para ajudar o doutor da Lei identificar o seu próximo Jesus resolve contar uma parábola para facilitar as coisas.
“Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto.” (Lc 10:30) 
O texto relata num primeiro momento, que um sacerdote passa pelo homem ferido, e vendo-o passou de largo. Num segundo momento relata que um levita passa pelo mesmo caminho, vê o homem quase morto, porém, também passa de largo. 
Estes homens se deram como justificados usando a própria Lei cerimonial, pois esta afirma que:
“Ninguém da semente de Arão que for leproso ou tiver fluxo comerá das coisas santas, até que seja limpo; como também o que tocar alguma coisa imunda de cadáver... O homem que o tocar será imundo até à tarde e não comerá das coisas santas, mas banhará a sua carne em água. E, havendo-se o sol já posto, então, será limpo e depois comerá das coisas santas; porque este é o seu pão.”Lv 22:4, 6, 7
O conceito de santidade, de separação, destes obreiros, estava totalmente fora dos padrões que a própria Palavra de Deus havia determinado. Com a idéia de cumprir uma “Lei” cerimonial, que, como podemos ver, não era prioritária para a ocasião, preferiram deixar seu compatriota abandonado para morrer a lhe oferecer algum préstimo e socorro.
Esta cena infelizmente se repete dia após dia. Alguns conceitos são mal interpretados e a semelhança do fariseu muitas vezes ficamos cada vez mais “em si mesmados”, numa igreja “intra-paredes”.
Estamos nos fechando cada vez mais. Somos capazes de chegar ao absurdo de desenvolvermos produtos de consumo evangélicos; grifes, boates, clubes evangélicos, condomínios,  e até biscoitos evangélicos com dizeres devocionais para o café da manhã estão sendo produzidos e comercializados, para um dos maiores e rentáveis grupos de consumo da sociedade; os cristãos evangélicos. A igreja vive enclausurada em seu gueto. Nestes moldes sou obrigado a concordar com Karl Marx que disse: “a religião é o ópio do povo”, pois verdadeiramente o cristianismo que muitos estão vivendo não passa de uma vã e vazia religiosidade. Nossas reuniões são analgésicas e paliativas, desconectando-nos da realidade por uma ou duas horas, para novamente sermos inseridos a ela sem respostas coerentes com as necessidades da sociedade. Nossos cultos, os nossos louvores e adoração partem muitas vezes de um ponto de necessidade pessoal, cultos antropocêntricos, onde o homem se torna objeto de sua própria adoração. Mas o que fazer  diante destes desafio e de tantas anomalias? 
    Espero encontrar o caminho juntamente com você !!! Até o próximo artigo. 
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   (O tema abordado continua no próximo artigo)